15 março 2007

Balada das onze e meia



ONZE E MEIA: MEIA HORA PARA ACABAR ESTE DIA.
MEIA HORA AINDA É HOJE. MEIA HORA É AMANHÃ.

Ás onze e meia da noite,
vai haver muita pancada num bar da rua das pretas.
Vai haver muita mudança nos decretos aprovados.
Ás onze e meia da noite, no quarto não se ouve nada,
mas no berço uma criança dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.
Ás onze e meia da noite, direi vinte e três e trinta.
Acordo o galo vermelho com dois murros no pescoço.
Canta, canta, meu pelintra, o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.
Ás onze e meia da noite os ódios nunca estão fartos.
Ás onze e meia da noite a morte anda lá fora
a pedir contas à vida, e os policias
têm medo da própria sombra que pisam.
Onze e meia está na hora.
No relógio ainda é cedo. Os ponteiros não deslizam.
Ás onze e meia da noite, esperamos por amanhã.
Chega a morte para a ceia com seus pezinhos de lã.
Passam gatunos canalhas, com seus múltiplos perfis.
Caem corpos e navalhas, no silêncio dos lancis.
Onze e meia meia hora, que falta, nunca mais passa.
Eu sei lá quanta desgraça se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos que apodrecem na cidade!
São onze e meia é agora que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.
Ás onze e meia da noite o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada;
Ás onze e meia da noite no bar da rua das pretas
continua a haver pancada.
Ás onze e meia da noite os cães disputam a dente
uma cadela aluada.
Ás onze e meia da noite há travestis no Rossio,
à pesca dos marinheiros que deixam o navio
e fazem ondas de cio no sangue dos paneleiros.
Batem as onze e meia. Só faltam trinta minutos.
Acende-se a lua cheia na rua dos sapateiros.
São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo entre lençóis de algodão.
Fincar no flanco uma espora, cavalgar por meia hora.
Dar rédeas ao coração. Ás onze e meia da noite
é tempo de solidão.
E nas entranhas do medo fazem-se filhos diversos,
como o padeiro faz versos e o poeta faz pão.
Ás onze e meia da noite.
Ás onze e meia da noite recebem-se embaixadores,
e há mesma hora os porteiros afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.
Ás onze e meia da noite,
a primavera passou-se para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer nas alamedas do sono
cansada de ser mulher ás onze e meia matou-se.
Em ponto são onze e meia.
Esta noite os redimidos hão-de fazer por esquecer.
Bem comidos e bebidos não tardam a adormecer.
E um frasco de comprimidos na mesa-de-cabeceira,
vai ajudar os sentidos a cozer a bebedeira.
Ás onze e meia da noite, num gabinete privado
(como a irmã cotovia) o tipo que estava ao lado
contou tudo o que sabia para subir de ordenado.
Ás onze e meia da noite, rastejam cobras na lama,
onde afocinham as Putas senhoras donas da cama.
Mas aquelas que são putas, não as que têm a fama.
São onze e meia da noite. Já só falta meia hora.
Apenas trinta minutos.
Ás onze e meia da noite ponho a tristeza de lado,
e uma gravata de seda. Quero ouvir cantar o fado.
Quero dar uma facada no galo da consciência.
Quero menos paciência e um pouco mais de loucura.
E enquanto dura a pancada no bar da rua das pretas
os putos fazem p. em jeito de habilidade,
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos de nascerem Portugueses
filhos de um povo adiado.
Feitos aqui e agora.

QUANDO FALTA MEIA HORA
PARA ACABAR O PASSADO.


Poema de Joaquim Pessoa

2 Comments:

Blogger Carolina said...

Se eu fose "balhadêra" acho que gostaria de dançar o tango!

16/3/07 19:55  
Anonymous Anónimo said...

Pois eu sou "balhadêra" gosto muito de dançar o tango !
Mas que o par também saiba, se não em vez de tango vira valsa !

17/3/07 14:09  

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