30 novembro 2006

A Morte


Nunca paramos para pensar na morte - essa coisa meio estranha.
Esta é uma excelente reflexão... leia com calma e reflita bastante.

Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta fizeram os elogios fúnebres. Parecia que a qualquer instante iria ouvir-se uma anedota. Estava tudo sério demais, faltava a barafunda, a zombaria, a desestruturação da cena.
Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o que a morte causa em todos os que ficam.
A verdade é que não havia nada a acrescentar ao roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta.
Morrer é ridículo.
Combinou ir jantar com a namorada, está a meio de um tratamento aos dentes, tem planos para a semana que vem, precisa autenticar um documento no notário, atestar o depósito do carro e, a meio da tarde, morre.
Como pode ser?
E os e-mails que ainda não abriu, o livro que ficou a meio, o telefonema que prometeu fazer à tardinha a um cliente?
Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer.
A troco de quê?
Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um liceu estudando fórmulas químicas que não serviriam para nada, mas manteve-se lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar e entrar na universidade, mesmo sem ter a certeza do que gostaria de fazer na vida, cheio de dúvidas quanto à profissão a escolher, mas era preciso decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...
De um momento para o outro, tudo isto termina numa colisão na auto-estrada, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou dos seus ténis.
Então como é?
Morrer é uma anedota.
Obriga-o a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a miuda mais bela, sem ter tido tempo de ouvir outra vez a música preferida. Deixou em casa as camisas penduradas nos cabides, a toalha húmida no estendal e penduradas também algumas dívidas.Os outros vão ser obrigados a arrumar-lhe a tralha, a mexer-lhe nas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Logo você, que dizia sempre: das minhas coisas cuido eu.
Que partidinha macabra: sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue à próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, adora costeletas de porco com muita gordura, mulheres claro e morre num sábado de manhã.
Se faz check-ups regulares e não tem vícios, morre também.
Isto é para ser levado a sério?
Se se tem mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente e a mente também já falha, sem falar que já não se tem quase nada guardado na memória.
Ok....
Hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo, antes de viver até ao fim? Não se faz. Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas.
Morrer é um exagero.
E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das anedotas.
Só que esta não tem graça.
Por isso viva tudo o que há para viver.
Não se apegue às coisas pequenas e inúteis da Vida...
Perdoe....sempre!!
Perdoe....sempre!!
Perdoe....sempre!!

(Um texto de Pedro Bial, adaptado por mim ao português europeu)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A morte é o reverso da medalha da vida.

30/11/06 18:06  
Blogger António Gil said...

Olha, Amiga, eu acho diferente.
Acho que aqui na Terra só deixamos os ossos, e mesmo esses, apenas por uma fracção de tempo absolutamente irrelevante da eternidade. Regressar... acreditas mesmo? Como eu gostaria também de acreditar!

1/12/06 19:48  

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