28 janeiro 2007

Carta duma professora


No número 1784 do Jornal Expresso, publicado no passado dia 6 de Janeiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestados falsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para os mais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição). Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender. De modo que a professora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou ao Director do Expresso uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares. Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seus leitores, o Expresso não publicou a carta enviada. Aqui vai, pois, a tal Carta Aberta, que circula pela Net. Para que seja divulgada mais amplamente, pois, felizmente, ainda existe em Portugal liberdade de expressão.
«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta. O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula. Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas.O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas. O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência. O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido. O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas. O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser para fazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país. O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição. O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos. E tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição. Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação. Dalila Cabrita Mateus, professora, doutora em História Moderna e Contemporânea».
(in 'Jornal de Notícias' de 14.01.2007)
(Recebido por email)

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Grita bem alto colega Dalila!
Grita mais alto que esses "falabaratos", que de tanto quererem falar de tudo, de pouco sabem falar!
Eu, quando ouço alguém denegrir escolas e professores, sem nunca ter "enfrentado" uma turma dá-me vontade de esbofetear. Como não posso fazê-lo, Vomiiiito!
E quando emprego a palavra "enfrentado" sei o que digo.
Hoje "enfrentam-se", meninos que os pais não educam e pais que também já pertençem a uma geração deseducada!
A escola não está bem, principalmente porque a sociedade setá DOENTE!
Amam os vossos filhos? Então eduquem-nos!
Sabe que só assim eles poderão ser felizes???
De outro modo criam-se bandos de gente infeliz, sempre insatisfeita e que dá tiros quando lhes negam o mais simples dos desejos.
A anarquia não leva a NADA!
Gostei tanto de ser professora!
Éramos tão felizes todos na nossa escola!

29/1/07 13:33  
Blogger Carolina said...

Ressalvo: pertencem

29/1/07 13:35  
Anonymous Anónimo said...

Disse tanta vez aos meus filhos que tive a felicidade de ser professora e ser feliz...como eu compreendo a colega Dalila.
Quem pode hoje ser feliz nas nossas escolas?
Uma professora aposentada abraça-a e neste abraço envolvo todos os professores que ainda tem a coragem de "enfrentar" a nossa "ESCOLA"

Céu do Ó

29/1/07 18:27  
Blogger Jelicopedres said...

Por sugestão de alguns familiares,
EU, haveria de ser professora!
Mas não, não fui.
E porque não?
Porque eu sempre achei que,para se exercer essa profissão não chegava apenas a habilitação para esse fim.Apesar de ser importante e essencial,mais que isso,a VOCAÇÃO.
Uma entrega total feita de abnegação e dotada de uma Pedagogia
singular.
Tive a sorte de ter sempre muito bons Professores, a eles (e ao meu empenho) devo a maior parte das coisas que aprendi na vida, não esquecendo os MEUS PAIS,tão especiais pela maneira como me conduziram...
A todos os professores que passaram na minha vida e na minha família um obrigado e o meu grande
abraço solidário!

29/1/07 22:46  
Blogger Carolina said...

Pois eu acho que uma Boa Professora se perdeu!

31/1/07 12:30  

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