25 janeiro 2007

Mundo Virtual



Entrei apressado e com muita fome no restaurante.
Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias, coisa que há tempos não sei o que são.
Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja, afinal de contas fome é fome, mas regime é regime, não é?
Abri o meu portátil e apanhei um susto, com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Senhor, não tem umas moedinhas?
- Não tenho, menino.
- Só uma moedinha para comprar pão.
- Está bem, eu compro um.
Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mail. Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, a rir com as piadas malucas. Ah! Esta música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos.
- Senhor, peça para colocar margarina e queijo.
Percebo nessa altura que o menino tinha ficado ali.
- Ok. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?
Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino ir embora. O peso na consciência impede-me de dizer sim. Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e mais uma refeição decente para ele.
Então sentou-se à minha frente e perguntou:
- Senhor, o que está a fazer?
- Estou a ler uns e-mail.
- O que são e-mail?
- São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet.
Sabia que ele não ia entender nada mas, tentando livrar-me de perguntas destas, acrescentei:
- É como se fosse uma carta, só que via Internet.
- Senhor, tem Internet?
- Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet?
- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Há de tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco vai entender e me deixaria almoçar, sem culpas.
- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.
- Que bom, isso. Gostei!
- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?
- Sim, também vivo nesse mundo virtual.
- Tens computador?! - exclamo eu!!!
- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... Virtual. A minha mãe fica todo o dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo; eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que passa o tempo todo a chorar de fome e eu a dar-lhe água para pensar que é sopa; a minha irmã mais velha sai todo o dia também, diz que vai vender o corpo, mas não percebo, porque ela volta sempre com o corpo; o meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual, não é, senhor???
Fechei o portátil, mas não a tempo de impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado. Esperei que o menino acabasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um "Brigado, senhor, você é muito simpático!".
Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não a percebemos!
(recebido por email)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Aqui está um belo texto!
Mundos virtuais, sonhos,desejos, fantasias,refúgios...etc... etc...)
;...)
E uma bela música!

26/1/07 13:18  
Anonymous Anónimo said...

Fly away!...

26/1/07 16:10  

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